Como é habitual, o Fernando Giestas escreveu-nos as suas notas de campo da residência artística do Diário de uma República III, em Nelas. Sobre a habitação, tema com todos os direitos tão rasgados como no papel, numa semana de caos também perto de nós, também longe de nós, em que muitos dos que conhecemos e dos que nunca vimos, tiveram de se colocar entre as suas casas e o indizível.
As notas do caos:
Há uma névoa de fumo no ar denso.
Há pessoas de máscara na boca e no nariz.
Há faúlhas no ar.
Diz-se faúlhas, fagulhas ou fopas?
Ele diz que a fagulha vinha incandescente quando caiu.
Será que a estrada está cortada por causa do fogo?
Estão aqui bombeiros de Avis, Ponte de Sor e Alter do
Chão.
Grou é uma ave.
Ela diz os grous vinham aqui beber água.
Este lar é privado. A mensalidade está ao nível de uma renda
em Lisboa ou Porto.
O gato Tutu entra e sai.
Elas partilham um apartamento.
Ela diz a minha irmã tem sido a minha mãe e é mais nova do
que eu.
Ela chama-se Águeda.
Ela diz 86 já cá cantam.
Ela vem de Rio de Mel.
Ele diz fugi a salto, com um passador e trabalho prometido.
O passador levou-me 7 contos e, quando chegámos lá, ele fez-me assim (e, ao
dizer fez-me assim, ele faz um pirete).
Ela comprou apartamento, em 1998, por três mil contos. Hoje,
o apartamento vale 300 mil euros.
Ela diz eu sofri um bocado para aprender a ladrar. Ladrar,
para ela, é falar luxemburguês.
Ele diz as máquinas fazem a maior parte do trabalho na
apanha das uvas.
Ele diz eles foram proibidos de apanhar uvas à noite, porque
as máquinas sugavam pássaros.
No fim-de-semana o hotel estará cheio, se não houver
cancelamentos.
O fogão é Meireles.
O guarda diz que não dá para passar.
Eles defendem a casa.
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