6/10/2024

Revelação

Não tenho programa nem repúdio na despedida 

Nem razão que venha a perdoar 

Se me cairem na sorte os teus beijos

Ficará a minha alma surpresa

Junto à vontade de pecado eterno

A rota das tuas medidas

As melodias que os olhos seguem

O palpitar do sopro da vida

E o desejo que serve de exemplo 

Não acompanho nada que não seja sonho reclamado 

Não me perguntem nada, a minha esperança é pura

O amor completo revelado, que acaba com suspeitas

O povo gosta de histórias e embalos

A minha paixão não é apenas corpórea ou fraternal

É também pelo encanto da travessia

Sou igualmente um devoto da natureza e da observação 


José Gomes Ferreira 

Fluxo de emoções - Celebrar Camões lírico

 

Descalça vai pera a fonte

Lianor, pela verdura;

vai fermosa e não segura.

Leva na cabeça o pote,

o testo nas mãos de prata,

cinta de fina escarlata,

sainho de chamalote;

traz a vasquinha de cote,

mais branca que a neve pura;

vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,

cabelos d' ouro o trançado,

fita de cor d' encarnado.

Tão linda que o mundo espanta!

 Chove nela graça tanta

que dá graça à fermosura;

vai fermosa, e não segura. 


Luís de Camões


Quando me quer enganar

 



A minha bela perjura,

Pera mais me confirmar

O que quer certificar,

Pelos seus olhos mo jura.

Como meu contentamento

Todo se rege por eles,

Imagina o pensamento

Que se faz agravo a eles

Não crer tão grão juramento.

 

Porém, como em casos tais

Ando já visto e corrente,

Sem outros certos sinais,

Quanto me ela jura mais,

Tanto mais cuido que mente.

Então, vendo-lhe ofender

Uns tais olhos como aqueles,

Deixo-me antes tudo crer,

Só pela não constranger

A jurar falso por eles.

 

                 Luís de Camões

Foto - Selo comemorativo que celebra os 400 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões, em 1924. Representação do poeta a salvar o seu manuscrito "Os Lusíadas" durante o naufrágio