7/26/2024

Vendedores de feira

Feira De Nelas inaugura novo recinto



Antes da proliferação, até exagerada, de supermercados, as famílias em áreas rurais faziam parte das compras mensais na feira. Nas vilas realizam-se normalmente uma vez por mês. Fui muitas vezes à feira de Nelas e de Canas de Senhorim, fui pouquíssimas vezes à de Carvalhal Redondo. Na cidade de Viseu, que conheço mais pelos efeitos da feira no trânsito e dinâmica da cidade, realiza-se a cada terça-feira. Com os meus avós frequentava uma ou outra feira mensal. Ainda se realizam várias no município. Também se comprava roupa, calçado, utensílios para a cozinha e tecidos para a casa, porém, as famílias ligadas à agricultura sempre usaram a sazonalidade da preparação das sementeiras e plantações para irem à feira. Quando a procura era muita chegavam a madrugar. O que acontecia em dois momentos específicos: no início da Primavera à procura de cebolo para replantar e nas primeiras duas feiras do mês de Agosto com o objectivo de adquirirem umas dúzias de pés da couve portuguesa para replantarem, geralmente no terreno onde arrancaram as batatas. A primeira feira de Agosto sempre teve muita procura, igualmente, por ser a do reencontro com os nossos emigrantes.

Se tem um aspecto que me causava curiosidade extra na feira eram os vendedores de todo tipo de tecidos para o lar (refiro-me a cobertores, lençóis, tolhas e afins), mas que não o faziam nas tradicionais tendas, usavam (e ainda usam) aquelas camionetas, ou como o povo diz, carrinhas de tamanho maior, com caixa fechada, em que abriam uma parte lateral para mostrarem os seus produtos. Como o povo dizia anunciavam a venda da banha da cobra usando o chão dessas viaturas como uma espécie de palco. Era, e ainda se pode ver, uma espécie de performance para conseguirem a atenção da clientela. Nas tendas os vendedores tinham, em muitas casos, as suas lojas estabelecidas nas localidades da região e "faziam a feira" como complemento de vendas. Qualquer redução do preço era feita cliente a cliente. Nas camionetas o anúncio dos produtos vinha já com desconto para todos e ainda levavam mais um paninho ou qualquer bugiganga. Além das qualidades performativas de cada vendedor um outro pormenor acabava por se destacar. Usavam um microfone pendurado nos ombros e pescoço que, para captar melhor o som, surgia como que enrolado numa toalha. Na época os carteiristas já eram grandes artistas, mas nada como agora. Esses vendedores é que desempenhavam essa função de agregar, como qualquer espectáculo no largo da aldeia.

Feliz Dia dos Avós



Tem dias para tudo. Alguns passam de forma indiferente, outros destacam-se por nos tocarem de perto. Entre estes últimos, recentemente tem ganho destaque a evocação aos Avós, pelo que o dia de hoje acaba por lhe ser dedicado. Talvez seja um dos poucos dias evocativos que vai para além do paralelo comercial, tem muito afecto envolvido 

Os Avós não são apenas elos geracionais, alguém que quando criança sempre conhecemos como velho. São muitas vezes quem cuida dos netos no quotidiano dos pais. Pelo que são também educadores e figuras de referência nos mais diversos contextos. Não são apenas quem conta histórias e oferece presentes, são quem se esmera na arte do cuidar e amar e nos acompanha pela vida fora. O seu simbolismo é tão forte quanto a memória que temos deles.

Tenho poucas memórias dos meus avós paternos, apenas uma vaga ideia da minha avó. Ambos faleceram era eu criança. Em contrapartida, fui criado pelos meus avós maternos. O meu avó não era de sangue, a minha avó voltou a casar quando eu nasci, mas sempre cuidou de mim como neto. Como o meu pai "deu o salto" para França e a minha mãe juntou-se a ele nos meus 5 anos, fui criado pelos meus avós. Sou também filho de avós. Tudo o que sou nos princípios, no espírito de luta e abnegação, no sentimento, na sensibilidade e escolhas devo a eles. Seguiram o percurso físico da existência, são mais do que seres de luz, são a minha força e inspiração. É raro o dia em que não os tenha presentes no pensamento, se não é em lembranças é em actos.

Viver em Prosa

 


Talvez eu conceba a minha vida como uma narrativa, dessas carregadas de detalhes irrelevantes e descrições obsessivas e desnecessárias. De tal modo me impaciento com a passagem natural dos dias e suas incontornáveis 24 horas, que gostaria de poder suprimir os circunlóquios, as tramas secundárias costuradas pelos minutos e os  intermináveis diálogos dos personagens coadjuvantes.

 

É insuportável viver assim, almejando pular capítulos. Pudesse dar aos meus dias as feições circunstanciais dos poemas, autônomos, bastantes a si mesmos! Abandonar a lógica conectiva da prosa que pressupõe culminâncias e desfechos! Mas é impossível. Os dias são tão solidários em causalidades e consequências...

 

Talvez a alternativa seja tentar a prosa-poética.

 

©Fernando Neto

Pedro S. Ramos mostra-nos Canas de Senhorim à noite (parte 4)