Nasci predestinado a ser pastor
A cuidar da terra e da lenha
A tratar do milho, do feijão e da vinha
Muito me pendurei nas oliveiras
Não tinha jeito para a poda, nem para o derrube de animais
Mas estava predestinado ao campo
À sorte incerta das colheitas e da água no cabaço
Cresci com o florir dos rosmaninhos, apanhei caruma e cavacos
Usei um púcaro para saciar a sede
Deixei as mãos ardentes da enxada e do machado
Dormi a sesta na mata e nas fazendas
Subi e desci socalcos de terra e pedra
Fui picado por vespas e mordido por lacraus
Fui predestinado a ser corpo em terra de pão
Malhei milho e centeio na eira, debulhei grão e tremoços
Segurei nos arreios da burra que puxava a carroça
Cuidei de cabras, ovelhas, galinhas e porcos
Teimava em ler, observar e conhecer
Mas estava predestinado a ser continuidade e resignação
O que incluía escutar as histórias e as diferenças
Guardo tudo no meu coração e repito em casa visita
Estava predestinado, mas a minha ambição não podia ser escolhida no avental
Como espigas ou cachos de uvas levadas para casa
José Gomes Ferreira