7/06/2024

Direi sempre não ao Acordo ortográfico

Saí de grupos e páginas contra o acordo ortográfico, não por deixar de ser contra o acordo, mas pelo facto de serem redes passivas. Em geral, limitam-se a denunciar notícias da comunicação social ou páginas de livros sobre a má aplicação do acordo e alguns casos exemplares. Tudo isso é bom, mas no desenrolar dos anos não serve para nada. São necessárias acções pró-activas. Sugeri algumas vezes a criação de um site ou a publicação de fascículos com exemplos de palavras escritas sem o acordo. Quem domina esses territórios ignorou, somente pessoas insatisfeitas como eu se pronunciaram. Quem vai ensinar aos jovens o português sem acordo? Eu por vezes já tenho muitas dúvidas. Não adianta dizerem que o português do Brasil é acordista. Discordo completamente. A diferença do português do Brasil não se limita à grafia das palavras. Por outro lado, palavras como percepção carregam bastante no P, não o eliminaram.

Não sou fundamentalista, talvez algumas palavras mereçam consideração, mas o acordo somente beneficiou as editoras portuguesas e deu protagonismo a alguns profissionais técnicos. No geral, trouxe confusão, más práticas de escrita e uma herança que vai ficar mas próximas gerações. A tudo isto a classe política, que arranjou o problema, responde com um virar de costas. Curiosamente ou não o desacordo só tem efectiva aplicação em Portugal. O que pretendia homogeneizar é agora uma grande confusão.

A palavra de ordem é regenerar

Andamos a perder muito tempo com disputas vazias, relacionadas maioritariamente a dimensões externas, como o futebol e a polarização política. Com a agravante de, em pouco ou nada, contribuírem para a nossa participação no espaço público. Já lá vai o tempo em que o futebol era, também, uma festa das famílias, ainda que mais vinculado às sociabilidades masculinas. Alguns jogos da taça relembram essa memória. O futebol não passa agora de disputa de marcas profissionais e de empresários que pela identidade histórica conseguem movimentar milhares de adeptos.

Parte da nossa vida tem sido para erguer essas bandeiras. Não que não devam ser erguidas, mas a vida vivida tem outras dimensões e chama-nos a outros envolvimentos. Num contexto cada vez mais individualista e ameaçado  precisamos regenerar velhos laços, antigas práticas e o nosso próprio entendimento e relação com a comunidade e com o planeta. Estar integrado não é apenas ir ao futebol, votar, ir à missa, ir tomar café após o almoço e participar nos jantares de Natal.

Existem exemplos de comunidades de vizinhos que se mostram interessantes. Precisamos reforçar os laços através de iniciativas concretas, não apenas de bailaricos e sardinhadas, mas igualmente de vivências de proximidade, como sejam as conversas no início da noite à porta de casa. Assim como de iniciativas mais abrangentes que dão a conhecer o território, o património e/ou pessoas que se destaquem na sua acção. Sem esquecer o debate dos problemas do local e desafios que a comunidade se dispõe alcançar. Muita coisa pode ser feita, em parte recuperando o espírito de vizinhança nas aldeias e a capacidade de transformação das antigas comissões de moradores.

Outras experiências passam por regenerar as relações intergeracionais. Tradicionalmente é marcante a presença dos avós na educação dos netos. Necessitamos alargar de forma geral essa presença na aprendizagem e vínculo entre gerações. Algumas reportagens dão conta de situações em que algumas pessoas idosas acolhem jovens, normalmente jovens estudantes, constituindo potencialmente uma matriz de acolhimento a partir da necessidade dos jovens alugarem um quarto nas principais cidades. Nas aldeias os Centros de Dia têm um papel fundamental no cuidado com os idosos, mas podemos ainda fazer mais, desde que as políticas locais contribuam. Esses Centros recebem a visita de crianças de instituições locais, falta ainda uma recolha e transmissão de experiências para as gerações locais e futuras. Estamos a apagar a nossa história oral com a partida gradual dos mais idosos.

Falta igualmente regenerar a própria natureza e a nossa relação com a mesma. Sociedade e natureza aparecem como algo separado, compartimentado, mas o ser humano é parte da natureza, a diferença é que é o único que a está a modificar. É necessário reactivar ou reforçar esses vínculos e dar a conhecer riscos e oportunidades. Devem ser divulgados os bons exemplos para que sirvam de meta, mas não vamos esquecer os impactos humanos. É aqui que entra a regeneração dos ecossistemas como tendência e urgência. Nas próprias cidades, vilas e aldeias os espaços abandonados devem ser regenerados e devolvidos à fruição humana ou mantidos como áreas de protecção integral.

O jorro de notícias e o conforto caseiro fecham-nos em quatro paredes e um ou dois argumentos, necessitamos sair à rua, dialogar mais, envolver mais, abraçar mais, acreditar mais. Precisamos construir e inverter o desfazer de relações. Essa mudança não passa exclusivamente por políticas públicas, mas pela dinâmica social. As comunidades já possuem colectividades que podem ser um ponto de partida, mas outras podem surgir. A arte e o desporto de base sempre agregaram, temos muitos bons exemplos a seguir.

Pedro S. Ramos mostra-nos Canas de Senhorim à noite






 

Casa do Passal, renascida


 

Aguarela, 38x50cm de Júlio F Rodrigues