8/18/2024

A morte de Sílvio Santos



Não é normal a morte de um comunicador e empresário brasileiro ter tanta repercussão em Portugal, mas no caso de Sílvio Santos não chega a fazer jus ao seu exemplo. Por outro lado, o facto de estar ligado ao mundo da televisão e comunicação dão amplitude à sua morte, como deram à sua existência e ao seu enorme legado. Não vou falar do administrador do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), nem da sua mestria na condução de programas de entretenimento e diversas outras competências como homem de negócios. Vou falar um pouco desse Brasil em que Sílvio Santos foi vencedor.

O povo diz que quem tem unhas é que toca viola, mas, por vezes, alguns exemplos mostram que não deveremos perder a esperança. Sílvio Santos não tinha unhas, mas tocou todos os instrumentos, representa um Brasil que para muitos não existe mais, se é que existiu. Comparando com o sonho americano (dos EUA), representa o sonho brasileiro, de quem começa por baixo e vence na vida. Mais ainda, como descendente de imigrantes e judeus sefarditas, mostra igualmente que esse sonho brasileiro estava ao alcance de todos.

Num pais de profundas desigualdades e marcado por mordomias coloniais, o percurso de Santos é único também na ética e na vontade em se entregar à transformação brasileira. A forma como preparou a morte reflecte isso mesmo. Rejeitando pompa, reforçando o papel da sua televisão junto das crianças, traduzindo a partida num gesto doce de quem todos reconhecem. Santos nas suas várias actividades chegou a todos, foi inclusivo. Teve olho para transformar tudo em negócio e agregar

Não pensem que esta postura é normal pelos trópicos. Prevalece o jeitinho, a presunção da posição hierárquica e de classe, a informalidade como contrapoder, a narrativa da origem europeia na genealogia pura, a narrativa do "sabe quem eu sou?", o esbanjar de recursos para actos públicos duvidosos, mas a fazerem lembrar as celebrações do Império. Sem esquecer, nos últimos anos, a intolerância política e religiosa. A repulsa por pobre é congênita. Homem que se preza deve ter maneiras, ser "cheiroso" e frequentar os melhores locais.

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