7/19/2024

Todos a banhos

Os portugueses vão a banhos e largam tudo. Alguns precisam mesmo de ir dar banho ao cão. Durante o ano adoram animais de companhia, mas quando vão de férias esquecem-se de levar toda a família. É impressionante o tratamento dado aos animais, chamam-lhe filhos e filhas, com personificando entes humanos. Nas décadas anteriores os comentários apontavam para a centralidade das crianças nas famílias, quase transformadas em bibelot. Atualmente é essa humanização animal. Fica por saber se a mesma se repercute igualmente nas relações interpessoais, digo isto pelo facto da mesma leitura vir sempre acompanhada de narrativas quanto ao serem "mais humanos que os humanos", referindo-se à fidelidade e ao apego pelos seus donos. 

Voltando à ida a banhos, dar banho ao cão é também uma metáfora à forma indiferente como encaram a vida pública, que entra em recesso no Verão, mas um recesso de um alheamento que em muitas vezes é total o ano inteiro. Claro que os portugueses têm direito a férias. Mas seria tão bom conhecerem o país para além do esturricar nas praias ou dos baldes de cerveja. Agosto é também o mês preferencial para o eclodir de conflitos familiares, são os incêndios das gerações. As idas à terra são uma marca da nossa identidade, nem tudo é praia. Falta talvez uma dedicação anual ao território e à geografia da cultura e dos afectos.

O desligamento não estival é recuperado, mas as ondas festivaleiras afastam os jovens para outras paragens. Nas vilas e aldeias florescem festas que garantem o ganha pão a artistas de TV. Esquecemos a ida à fonte e de pagar uns copos na taberna, não falhamos as feiras agrícolas e industriais recheadas de palcos sofríveis. Sinto saudades dos bailes nas noites de Verão. Não dançava, mas o conjunto de cores das lâmpadas combinava com o gosto musical e com os reencontros.

O Verão é agora imagem. O abandono dos cães não passa na actualização do Instagram ou Facebook. Não gera vergonha ou inveja. É a exuberância dos lugares e da comida que é exposta. As férias deixaram de servir de narrativa fecunda contada um mês depois. Têm transmissões em directo e passagens assíncronas, mas sem tempo a perder. Viajamos para marcar o momento e o histórico, para roer de inveja o que não temos para comer.

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