10/03/2024

Miguel Marques - Diário de bordo - 7


Há caminhos na vida que por impotência ou por necessidade, pela nossa vida cheia de stress que nos leva a tomar decisões que nos deixam perante escolhas difíceis. É como se o tempo, silenciosamente, nos colocasse diante de uma verdade amarga que jamais quisemos encarar. Aquelas mãos que um dia nos embalaram, aqueles olhos que sempre refletiram a nossa segurança, agora repousam num lugar estranho, cercados por paredes que não são as da sua ou nossa casa. O coração aperta-se ao perceber que, por mais que estejamos a tomar uma decisão racional — por cuidados que não podemos oferecer, por segurança, por saúde — há um peso na alma que não se alivia.

É doloroso ver os sorrisos tímidos nas visitas, misturados numa expectativa quase infantil de que possamos ficar só um pouco mais. Custa muito virar as costas e deixar para trás alguém que dedicou a vida a cuidar de nós. Saber que o vazio deixado pela nossa partida ecoa naqueles corredores, onde tantos outros, também aguardam pela próxima visita, pelo próximo sorriso compartilhado.

Há uma culpa constante que nos segue, mesmo quando tentamos racionalizar. Mesmo quando sabemos que é a melhor decisão, algo dentro de nós parece não aceitar. É difícil calar a voz que pergunta: "Será que fizemos tudo o que podíamos? Será que há algo mais que poderia ter sido feito para evitar isso?" Cada passo para longe da porta parece um adeus inacabado, um pedaço de afeto que fica pendurado entre o passado e o presente.

Eles, que eram o nosso porto seguro, agora estão em num lugar onde não podemos estar sempre presentes. É um amor que se transforma numa espécie de impotência, onde queremos ser tudo para eles, mas sabemos que já não conseguimos. O amor não diminui, mas o peso da distância aumenta, e, dia após dia, aprendemos a viver com essa saudade, com o desejo de voltar no tempo e dar-lhes o conforto e a presença que um dia nos ofereceram sem medida.

E há ainda uma consciência inevitável que nos assombra: o nosso futuro passará por isso. Um dia, nós seremos aqueles que olharão para a porta, esperando um rosto familiar, um abraço querido. Um dia, seremos nós a viver num lugar estranho, confiando que aqueles que amamos tomem as decisões certas para o nosso bem. E talvez seja essa a lição mais dura — perceber que o ciclo da vida não poupa ninguém e que as despedidas silenciosas, os gestos de carinho deixados e o peso da distância são parte da nossa própria jornada. Precisamos aceitar que um dia também estaremos no lugar deles, e é com essa consciência que devemos tratar os nossos pais e avós, com toda a dignidade e o amor que gostaríamos de receber quando a nossa vez chegar.

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