Não sei se sonhei a dormir ou acordado. Tudo se passava num
lugar estranho, talvez numa vida que a memória não regista. Fazia muito frio e
era noite e no cubículo de madeira as vidraças estavam partidas. Havia uma
pequena lareira com um pote de barro a fumegar e o frio cortava como vidro.
Falávamos outra língua e estávamos rotos e de joelhos nus. Abraçávamo-nos
fortemente com medo e frio. Lá fora, muito ao longe, ouviam-se bombardas
dispersas, ou seriam trovões? Estavas lívida e tinhas os cabelos negros
desalinhados para esconder o pavor do olhar. Afagava-te o rosto e dizia-te
palavras que não entendia e cada vez te aconchegavas mais a mim. Não sei se eras
minha irmã ou minha amada. O frio e o medo não davam para distinguir. O nosso
futuro era aquele presente de pesadelo.
Uma luz suave e um tanto inesperada entrou pelo lugar dos
vidros partidos. Levantámo-nos lentamente e a medo percorremos os três passos
que nos separavam da porta semi destruída. Era uma estrela que brilhava na
negrura da noite e nós acompanhámo-la.
Quando nada se tem e nada se sabe, qualquer sinal nos dá
alento para caminhar.
©Fernando Neto
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