Há uma cantiga do Chico Buarque que, curiosamente, junta bem os dois temas dos Diários de uma República do ano passado, que ainda circula, e do do próximo ano, que começa a preparar-se agora. Na Construção de Buarque canta-se:
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico.
Não sabemos bem quantos tijolos é preciso empilhar para
construir uma casa de 3060 metros quadrados, mas os desenhos e a poesia das
mãos que os empilham são mágicos como se canta aqui. Ainda sobre a residência
artística do Diário de uma República III, em Nelas, que aconteceu entre o dia
16 e até ontem, o Fernando Giestas, que esteve com o Nelson d'Aires, conta-nos
tudo mais um par de notas sobre o que ouve sobre a habitação num país com
tantas casas vazias e, ainda assim, tantas por erguer.
Notas de Campo II
A cara dele está por todo o lado.
Ele vive no Bairro dos Operários.
Eles fizeram marquises atrás da casa.
Ele abdicou do quintal para construir mais uma divisão da
casa.
Ele diz que quer mudar o telhado da casa, para o ano, se
ainda cá estiver.
Ele diz que a Câmara não devia ter autorizado a fazer esta
obra.
Ele deixou a cama por fazer.
Ele diz que vai fazer o almoço.
As três filhas dele estudaram naquela escola que já não
funciona.
Ela apanha medronhos.
A cara dele está por todo o lado.
Ele diz que acorda com os corações.
Ele diz aqueles “Vês” debaixo da janela são o “V” de vitória
dos Aliados.
Os primos não se entendem e a casa está a ir abaixo.
Ele diz o meu avô comprava sempre dois móveis iguais.
O castelo que o pai fez está no quarto dele.
Ele trouxe o castelo para esta casa na mala do carro.
Ele mostrou-nos a contracapa do álbum dos Téléphone: 3
homens e 1 mulher nus. Os homens têm vulva em vez de falo. Cospe o teu veneno,
assim se chama o álbum de 1979.
Ele deu-lhe um vinil dos The Kings e uma capa da Joni
Mitchel.
Ela diz a casa estava desabitada e os jovens vinham para
aqui partir vidros.
Estão a passar quatro canadairs.
A cara dele está por todo o lado.
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