8/04/2024

Lei da bala



A justiça anda leve, tardia e sem carácter universalista. Diz sim à elite, nega defesa à arraia miúda. No conteúdo também se confronta. Falir um banco dá escusa, roubar 1 kg de arroz agrava a pena. Até o Estado perde na defesa, tal o aparato burocrático e os meios de defesa capitalistas. Em boa verdade deveríamos falar em justiça e Justiça. A primeira é a justiça social, abrangente e vassala da segunda. A segunda é o órgão público, que deve ser isento para aplicar a noção empática e universal de justiça. O maior problema é que quando a primeira falha espera-se justiça da Justiça. Mas se está na mão de lobbies e louvores será sempre injusta. A demora na concretização processual e a parcialidade na aplicação trazem demora e desconfiança.

À margem da acção do Estado tem quem defenda a justiça popular. Não deixa de ser notório o facto de certas opiniões criticarem os gastos do Estado, defenderem um tal de emagrecimento da despesa, mas depois em áreas estratégicas cobram eficácia dessa actuação. O Estado moderno tem dado muita volta, actualmente precisamos de um Estado forte na execução das políticas, só assim chega a todos os cidadãos. Algumas áreas apresentam maior dificuldade nessa intervenção, mas não é por isso que deveremos aceitar de olhos fechados propostas paralelas, de que é exemplo a justiça popular. A história mostra que antes do Estado-Nação da modernidade era uma prática corrente. Onde não chegava a administração pública actuavam os cidadãos. O problema é que esse posicionamento não revela apenas o fracasso das políticas públicas, mostra igualmente a sua permeabilidade a grupos que querem ser, igualmente, detentores dos meios de violência, tarefa exclusiva do Estado e não de grupos que a aplicam de forma arbitrária, quando não é para se beneficiarem.

Paira na Europa algo semelhante, o alvo não é apenas a justiça, mas igualmente as políticas migratórias. Em Portugal o Chega consolidou-se na insatisfação face aos ciganos. Ainda que tenha razão quanto ao facto do Estado, representado pelos sucessivos governos, órgãos de polícia, tribunais e órgãos vinculados à segurança social pouco fazerem, o que é certo é que o partido também nada fez ou propôs dentro do quadro democrático para resolver o problema. Fez uso da popularidade da contestação para aumentar a base de apoio, mas a solução nunca apareceu. Nem aparece de um dia para o outro, são questões estruturais, exigem diálogo, cooperação e vontade para se trabalhar na inclusão que o rendimento mínimo não resolve. 

A ideia que fica, e o que se passou e passa no Reino Unido, reforça essa análise: para alguns com tiques anarquistas, só a lei da bala resolve o problema. Obviamente, não estamos perante uma proposta humanamente aceitável. A extrema direita vem logo a correr com raiva nos dentes pronta a atirar. A esquerda, em particular a extrema esquerda, reage em contraposição, mas não vemos uma discussão séria no sentido de se encontrarem respostas. Por sua vez, os partidos associados ao poder empurram o problema para a frente com a barriga. Muita coisa necessita ser corrigida, a falta de medidas sérias vai tornar a situação ainda mais explosiva. Sem políticas de apoio aos países de origem, a crise migratória, simultaneamente à crise climática e crises sanitárias que possam ocorrer são os grandes problemas do nosso tempo, vão exponenciar a eclosão de conflitos. A resolução não passa apenas pelos países, mas por um compromisso reforçado do multilateralismo.

José G. Ferreira

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