O meu velho amigo, de que tenho falado com justificado
orgulho, enviou-me este pequeno texto, não sem que primeiro procurasse ter a
certeza de que eu o iria entender...
Sabes, Sampaio, muitas pessoas praticam o culto da
personalidade. Não sabendo bem porque o fazem, vêm estendido ao sujeito muitas
vezes cicatrizes de alguma deceção pessoal..
Eu lá fui adiantando. Sabes que algumas vezes esse culto é
justificado, quanto mais não seja pelo sentido de reconhecimento por isto ou
por aquilo.
Mas a isso chama-se dever de gratidão, o que não é
concerteza a mesma coisa.
Olha,adiantou, deixo-te aqui um pequeno exercicio que fiz há
alguns dias atrás.
“Há uns anos existia um cirurgião de renome internacional.
As suas operações, bem dificeis, eram geralmente coroadas de êxito. Certamente
que da sua equipa obtinha ajuda
insubstituível. Mas eram as sua mãos , as suas milagrosas mãos, como alguns
diziam, que faziam acontecer o milagre, os milagres.
Contudo, com o passar dos anos a sua infabilidade começou a
diminuir. Viam nas suas mãos alguns pequenos sinais de tremura. Os seus olhos
já não tinham a luz que iluminava as suas intervenções.
Mas ainda assim poucos questionavam a sua posição no bloco
operatório. Aqui e ali talvez algum pequeno sinal de inquietação, não mais do
que isso.. Mas a devoção que a generalidade das pessoas continuava a
atribuir-lhe ia protelando no tempo aquilo que seria inexorável. .
Todavia o quase endeusamento pelo senhor, fazia com que esse
momento tardasse e fosse adiado..
Até que um dia, mau grado alguns reparos, o senhor doutor
falhou. Não uma, nem duas vezes. Mas muitas vezes. E com esses falhanços
aconteceram perdas de vida...Que iam sendo justificados com todo o resto,
incluindo tudo o mais
E então aconteceu o que seria antecipável..
Os seus seguidores, mais cegos que ele, continuavam, a
bajulá-lo. E as vitimas continuavam a acontecer...
E então, um certo dia, acordei...
Tudo não tinha passado de um mau sonho...”
Percebeste, meu caro Sampaio?
Fiz o meu melhor, porque também eu já quase idolatrava o
grande cirurgião. Mas não foi difícil
dizer-lhe que sim. Tinha percebido muito bem o meu caro
amigo.
E com um sorriso amarelado, atirei-lhe...Não importa, afinal
era apenas um sonho..
António Sampaio Fernandes
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