Há declarações que não são apenas infelizes. São reveladoras. Revelam um pensamento, uma visão de mundo e, sobretudo, uma ideia profundamente errada sobre o papel do Estado e sobre quem são os cidadãos que dele dependem. As recentes palavras do Ministro da Educação pertencem claramente a esta segunda categoria.
Segundo o próprio, quando os serviços públicos são frequentados maioritariamente por pessoas de baixos rendimentos - sejam residências universitárias, escolas ou hospitais - eles degradam-se. Não por falta de investimento, não por abandono político, não por decisões administrativas erradas. Degradam-se porque são usados por pobres. É isto que foi dito. Tudo o resto são tentativas tardias de cosmética semântica.
O mais perturbador não é apenas o juízo social implícito, mas a naturalidade com que é proferido. Como se fosse uma lei da física social: a pobreza estraga. Estraga edifícios, estraga serviços, estraga o que toca. Um pensamento antigo, confortável para quem governa, perigosamente próximo de um darwinismo social que a História já mostrou aonde conduz.
Num só gesto retórico, o ministro conseguiu inverter responsabilidades. Se uma residência universitária se encontra degradada, a culpa não é do Estado que não a mantém, não a fiscaliza, não a requalifica. A culpa é de quem lá vive. Se uma escola pública tem problemas, não é por políticas erradas ou subfinanciamento crónico; é porque é frequentada por alunos pobres. Se um hospital falha, o problema não está na gestão nem nas opções orçamentais, mas nos doentes que lá entram. Uma solução admiravelmente simples: culpar os utilizadores e absolver o decisor.
O que este discurso produz não é apenas estigmatização social; produz deseducação. Deseduca porque ensina que a desigualdade é natural. Porque sugere que os serviços públicos só funcionam quando não são verdadeiramente públicos. Porque insinua que a mistura social é um risco e que a segregação é uma forma eficiente de gestão.
É particularmente grave que isto venha de um Ministro da Educação. Um governante cuja função central deveria ser promover igualdade de oportunidades, mobilidade social e dignidade. Um ministro que, em vez de combater preconceitos estruturais, os legitima. Em vez de formar cidadãos, classifica-os. Em vez de proteger os mais vulneráveis, responsabiliza-os pelo falhanço do sistema.
Há uma ironia difícil de ignorar: as residências universitárias degradam-se precisamente porque o Estado as abandonou durante décadas. E agora, quando já estão degradadas, descobre-se subitamente que o problema são os estudantes pobres que lá vivem. Uma conclusão conveniente, quase elegante, para quem prefere não assumir culpas políticas.
Num país que se reclama de um Estado social, estas palavras não são apenas um erro. São um sintoma. O sintoma de uma elite governativa que olha para os serviços públicos como um mal necessário e para os seus utilizadores como um incómodo. Quando um ministro pensa assim, o problema já não é apenas político; é ético.
Por isso, mais do que um pedido de esclarecimento, estas declarações justificariam um ato de responsabilidade. Porque quem educa não pode deseducar. Quem governa não pode estigmatizar. E quem reduz a pobreza a um defeito moral não tem condições para dirigir um ministério que deveria existir precisamente para combatê-la.
A degradação mais grave, afinal, não está nas residências universitárias. Está no discurso. E essa, sim, exige uma intervenção urgente.
João Gomes

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