Lisboa, 28 de março de 1912

No melhor pano cai a nódoa, diz o povo…pois neste início de primavera de 1912, a nódoa, por assim dizer, caiu numa ilustre família austríaca, mas poderia ser portuguesa, tal foi o interesse demonstrado pelos jornais no folhetim que acabaria por desaguar em Lisboa.

Na manhã do dia 28 de março, quando o esperado paquete alemão atracou, já depois de ter sido inspecionado pela autoridade sanitária, teve uma receção de peso. A bordo foi uma comitiva na qual um dos elementos menos importante até era o senhor Andrade, chefe da polícia do Porto.
Quem seria que ali vinha, para ser recebido com tal circunstância?
Dias antes, já os jornalistas anunciavam a chegada iminente da embarcação, especulando sobre os seus ilustres passageiros, nomeadamente uma menina de 18 anos, “filha de um honorable da corte”, que fora raptada por um oficial do exército austro-húngaro.

O atraso só aguçou a curiosidade. Isso e o facto de, face a esta situação, o país de origem ter pedido, por via diplomática, a detenção do raptor.
Foi assim que, naquele dia, subiram a bordo também Lúcio Heitor, adjunto do chefe da polícia do porto, dois soldados da guarda republicana, J. Wimmer* - apresentado como cônsul austro-húngaro, mas, de facto, alguém com muito mais para contar - e o barão, pai da raptada, que desde há dias aguardava ansiosamente, hospedado no histórico Hotel Central, na praça Duque de Terceira, ao Cais do Sodré.

Com todo o grupo a bordo, a jovem, “alta, de porte distinto e formosa”, foi chamada à sua presença.
Primeiro negou ser quem procuravam. Depois, ao ver o seu velho progenitor, teve um chilique.
Enquanto este drama se desenrolava, o companheiro de viagem de Edith, assim se chamava, tentou atirar-se ao Tejo, tendo sido impedido pelo já mencionado Lúcio Heitor.
Tratava-se também ele de um jovem “esbelto” que, com a baronesa, foi levado para a alfandega.

Aí desenrolou-se novo momento de emoção, quando separaram o “raptor” e a “raptada”, que afinal não o era. A despedida foi entre choros e juras de amor eterno.
Assim, ao contrário do que se poderia pensar devido a tanto aparato, ninguém foi preso.
Edith e o pai embarcaram imediatamente no Sud Express e regressaram ao seu país.
O amado permaneceu em terras lusas, acolhido na mesma unidade hoteleira de referência.
Não seria por muito tempo, porque, ao que os jornais previam, o respeitável barão condoeu-se das razões amorosas da filha e – alvitra-se – receou o expectável escândalo que este amor contrariado e talvez já consumado originaria. Terá, por isso, prometido satisfazer a vontade do casal de pombinhos que planeara refazer as suas vidas no Brasil.
Não tiveram de ir para tão longe!
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Curiosidades da imprensa: pelo menos dois jornais de grande distribuição contam esta história e, se acertam o passo no essencial, nos pormenores há uma total discordância de informação. Assim, ao paquete que A Capital chama Belgrano, a A Illustração Portugueza dá o nome de Europa (o que é confirmado pela imagem).
O nome do pai da menina tanto é Arthur Thini ou Thiux, Barão, consoante o meio de comunicação consultado. No mesmo sentido, “raptor” passa de Edmond Titer a Robert Sand.
Se alguém encontrar esta história noutra fonte, agradeço dados para “desempatar” estes e, já agora, para saber se sempre houve um final feliz.
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*Trata-se de Joahnnes Wimmer [von Frankenstein], membro de uma família de diplomatas radicada em Portugal desde 1706 e cujos descendentes ainda por cá andam. Joahnnes Wimmer, no entanto, não se limitou à diplomacia: fundou uma importante companhia de navegação e dedicou-se a negócios variados. Em 1942, a J. Wimmer & Cª, já na posse do filho Hans, era o maior exportador de conservas de Olhão. Também tinha instalações em Lisboa e produzia diferentes marcas, como Ascania, Camel, Duala, Erica, Halali, J.W.C., Madras e Telma. Foi fornecedor do Estado português, nomeadamente na área de peças mecânicas.
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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
A Capital, 28.03.2025
Illustração Portugueza, 08.04.1912
Jornal Sol, 16.03.2020, “As melhores armas portuguesas não estão nos museus. estão todas neste edifício”, texto de José Cabrita Saraiva, aqui: "As melhores armas portuguesas não estão nos museus. estão todas neste edifício"
Uma casa de madeira hanseática em Portugal, texto de Rainer Daehnhardt, disponível aqui:
Portugiesisch-Hanseatische Gesellschaft e.V. - Associação Luso-Hanseática online
A Indústria de Conservas de Peixe no Algarve (1865 – 1945), texto de Joaquim Manuel Vieira Rodrigues, encontrado aqui: J. Wimmer & Cª – Olhão – Conservas de Portugal
Wimmer & Cª – Lisboa – Conservas de Portugal
As Casas Nobres da Rua Direita da Fábrica das Sedas, João de Figueiroa Rego, in Cadernos do Arquivo Municipal, Série II nº 6, 01.2018. Aqui: Cadernos do Arquivo Municipal, Série II nº 6 – Histórias de casas e de quem lá vive(u) I by Câmara Municipal de Lisboa - Issuu
Cais do Sodré – Wikipédia, a enciclopédia livre
Hotel Central (Lisboa) – Wikipédia, a enciclopédia livre
Lisboa de Antigamente: Hotel Central
Imagens
Joshua Benoliel para a Illustração Portugueza.
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