Os Bens Imóveis da Junta de Paróquia no último quartel de Oitocentos
Dos escassos documentos,
preciosos para a história local, no tocante ao século XIX, que dormem nos
arquivos da Junta de Freguesia de Canas de Senhorim, topa-se, entre eles, um
intitulado Auto de Inventário1,
já deteriorado pela humidade.
O manuscrito, de quatro páginas,
que agora vem a lume, mostra os bens imóveis na fruição da paróquia no ano de
1879, arrolados pela Junta por «conhecimento próprio e por informes de várias
pessoas». Contém dezanove propriedades, dispostas por ordem numérica. A última
do rol, um prazo enfitêutico2, rendia à paróquia 1$200 (mil e
duzentos réis) de foro anual. As restantes, terras aráveis e estéreis, algumas
daquelas sombreadas de olivedos, tidas por “testamentos” e doações, e a Igreja
Matriz3, com o seu adro e a sua quelha, foram avaliadas, ao todo, em
2 110$200, isto é, dois contos cento e dez mil e duzentos réis.
Desconhece-se, por falta de
elementos documentais, em que anos, anteriores à data atrás citada, a Junta de
Paróquia atombou todos os seus bens de raiz. Mas, pelos recursos utilizados
para a feitura do presente inventário, depreende-se a falta de tombo patrimonial
organizado. E é de crer, do mesmo modo, que, no vinténio subsequente, até ao
fim da centúria, os eventuais arrolamentos dos seus pertences figurem em
documentos avulsos e dispersos. Isto, porque na documentação até hoje
compulsada nos sobreditos arquivos nada mais se colhe a tal respeito.
No inventário em apreciação,
verifica-se que, em data imprecisa, o mesmo serviu para o registo de
actualização dos bens. Riscados e anotados contam-se nove prédios rústicos.
Seguimos a numeração destes, expressa no inventário. Assim, nos números cinco,
sete, oito, dez, catorze, dezassete e dezoito foi aposta, em cada um, uma cruz
aspada. No número dezanove, sobrepuseram-lhe um traço oblíquo e registaram:
«veija-se (sic) a acta de 16 de Maio
de 1880». Ainda no número cinco, na margem direita, pode ler-se: «vendido». E
no número dez, na parte superior, consta, também, a seguinte nota: «vendido em
parte».
Oito anos após ter levado a
efeito o Auto de Inventário, em 1887,
a Junta de Paróquia trazia arrendadas apenas «duas sortes de terra com
oliveiras»4, das quais arrecadava a quantia de 5$000 réis anuais. E,
passados sete anos, em 1894, na arrendação, restava «uma sorte de terra»5,
que lhe provia, de receita anual, quatrocentos réis.
Dados recolhidos ocasionalmente, também no espólio documental da Junta
de Freguesia, em folhas desconjuntadas de manuscritos e datadas da primeira
metade do século XIX, dão-nos a conhecer alguns dos sítios onde se implantavam
as suas pertenças.
Assim, sabe-se, através das actas das sessões da Junta, lavradas no
último lustro dos anos 30, da cedência de pinheiros da mata da Cumieira6,
da venda de «humas oliveiras que eraõ do Santifsimo»7 do olival do
Torgal e de cinco pinheiros do «Quarto, no caminho que vae do Cadavaio ao
Paimouro»8, a oitenta réis cada. E conhece-se também, registada, mais tarde, no ano de 1850, na
“coluna” de receitas do Livro de Contas,
a verba de duzentos e quarenta réis provenientes de «foro do terrado da capela
de São Bartolomeu».
Deste período, são poucos os poisos assim como os documentos. E estes,
por desdita, estão longe de satisfazer o nosso desejo de saber a porção de
bens, afora a trasteria, que a paróquia possuía.
Nos manuscritos disponíveis, do terceiro quartel de Oitocentos, acerca
do que se procura, nada consta.
Resta dizer que um dos promotores e subscritores deste inventário era o
pároco encomendado9 José Pais Tavares e que o mesmo inventário
fornece, também, elementos apreciáveis para o estudo da toponímia local.
A seguir se apresenta a
transcrição integral do manuscrito em apreço, para constar. A ortografia e
pontuação originais foram respeitadas.
Aucto
de Inventario
Anno de
Nascimento de nosso senhor Jezus Christo de mil oito centos e setenta e nove,
aos vinte e seis dias do mez de Outubro, na sala das sessõens da Juncta de
Parochia, da freguezia de Cannas de Senhorim, em sessaõ extraordinaria se
reuniram o Presidente, e Vogaes da Juncta abaixo assignados, para procederem ao
Inventario dos bens parochiaes, como consta das cartas de convocação, que elle
Presidente dirijio a todos os dignos Membros, Parocho, e Regedor, e depois de
lavrarem a competente acta, principiaram em Visturia, examinando todos os bens
que por conhecimento proprio, e por enformes de varias pessoas, pertencem a
dita Parochia, as quaes vaõ ser descriptas pela forma seguinte:
N.º
1 :
Huma sorte
de terra d’hórta sita ao Carvalho, lemite de Cannas, parte do Nascente com
Manoel Borges Mendes, Poente com Antonio Pinto, da Povoa, Norte com Antonio
Pinto de Figueiredo, e Irmãns, Sul, com estes, no valor de 5$000
N.º
2 :
Huma sorte
de Olival sita ao Cimo do Paço, parte do Poente, com Manoel Borges, Sul, com
Herdeiros de Joaõ de Amaral, Norte, Herdeiros da Anna da Perpetua, Nascente,
com Joze Caetano dos Reis, no valor de 12$000
N.º
3 :
Uma sorte de
Oliveiras aos Curraes, parte do poente e norte com o caminho publico, sul com
herdeiros de Barros de Lisei, nascente com Rui Lopez, de Sanctar, no valor de
reis 10$000
N.º
4 :
Uma sorte de
terra sita ao Zambugeiro, parte do norte e nascente com D. Anna Paes, sul e
poente com os caminhos publicos, no valor 9$000
N.º
5 :
Uma sorte de
terrado em que estaõ oliveiras, que naõ pertencem á Parochia, sita á Poça do
Rocio, parte do sul e nascente com Antonio d’Abreu, poente com Diogo Joaõ
Mendes e outros, norte com o caminho publico, no valor de 12$000
N.º
6 :
Um terrado
sito á Praça, na Rua Direita de Cannas, no qual está assente o banco do
Ferrador, no valor de 0$200
N.º
7 :
Um terreno e
laejas no Rocio de baexo, que parte do nascente com Joaquim Borges e outros,
norte com Joze Alexandre e outros, sul com cazas de Joaõ Paes Alexandre, poente
caminho publico, no valor 6$000
N.º
8 :
Mais um
terreno sito á fonte das Moitas, em que se acham situados indevidamente alguns
predios com oliveiras que naõ pertencem á Parochia, parte do sul com o caminho
da Laja da Pereira á fonte das Moitas, nascente com herdeiros de Lourenço
Ignacio e outros, norte com caminhos publicos, poente com herdeiros de Joaõ
Marquez Maltez, no valor de 3$000
N.º
9 :
Um terreiro
sito ás laejas de Abril com laejas, que parte do nascente com D. Clara Maria
Emgelica, de Viseu, poente com herdeiros de Antonio Marquez da Rocha, sul com
Antonio Joze Coelho, norte com herdeiros de Joze Marquez de Oliveira, no valor
12$000
N.º
10 :
Um terreno
sito á Fonsequinha, parte do nascente com Jose Lopez Cinta, poente com o
caminho publico, norte Ancelmo Antunez, e outros, e do sul com Maria Pinta, no
valor de 4$000
N.º
11 :
Um terrado
sito ás paredes, que parte do nascente com Sebastiaõ Marquez Pereira, digo um
terrado sito no Rocio de Baexo, parte do nascente e sul e poente com caminhos
publicos, norte com caza de Antonio Borges, Viuvo, e outros, no valor 1$000
N.º
12 :
A Igreja
Matriz com seu adro em roda, parte do nascente com D. Clara Maria Emgelica, de
Viseu, sul com Antonio d’Abreu, poente com o caminho publico, norte com o
caminho publico, no valor de 2.000$000
N.º
13 :
Uma rua
denominada a quelha da Igreja, no valor de 6$000
N.
º 14 :
Um terrado
sito no Rocio de Cima, parte do nascente com terreiro e caminho Municipal,
poente com Maxemino Fernandez, norte com Joaquim Borges, e sul com herdeiros de
Joze da Roza, no valor 2$000
N.
º 15 :
Um terrado
no mesmo lemite do Rocio de Cima, parte do nascente e norte com terreiro e
caminho Municipal, poente com Joaõ Ribeiro, sul com Joaquim Borges, no valor
3$000
N.
º 16 :
Uma lage
sita ao Rocio de Cima, parte do nascente com a Rua publica, norte com
senhorinha Augusta, sul com D. Anna Paes, poente com Julia Larangeira, no valor
de 1$000
N.
º 17 :
Outro
terreno sito ao Rocio de baixo, que parte do Nascente com Anna da Cunha Russa,
norte com as cazas de Joaquim Marques Pereira e outros, sul com o caminho
vecinal, e poente com Antonio Dias e outros, no valor 20$000
N.
º 18 :
Outro
terreno sito ao mesmo Rocio de baexo, parte do norte com Joze da Costa
Ministro, e outros, nascente com herdeiros de Antonio Alexandre Paes, sul com
herdeiros de Joaõ do Amaral, poente com o caminho publico, no valor de 4$000
N.
º 19 :
U dominio
directo de que é, digo de um prazo de que é efiteuta (sic) Rui Lopez de Souza Alvim, de Sanctar, que paga a esta
Parochia 1$200
E naõ
havendo n’este acto algum conhecimento de mais bens, n’este lemite de Cannas de
Senhorim, elle Presidente mandou reteficar o presente inventario sendo lido em
voz alta perante todos os menbros abaixo assignados, e conhecendo-se que estava
conforme, e não havendo reclamaçaõ alguma n’este acto, foi por unanimidade
aprovado, e por todos os membros devidamente assignados. E eu Joaõ Paes Pessoa
secretario o escrevi.
O Presidente
a) Antonio Paes da Cunha Pinto
a) Joaõ
Marques Pinto
a) Sebastiaõ
Marques Pereira
a) Adelino
Correia
a) Joaõ Paes
Vieira
O
Encomendado a) Jose Paes Tavares
Notas:
1. Deste documento conservo
fotocópia facultada pelo ex-Presidente da Junta de Freguesia, Fernando Gomes
Pinto.
2. Terra constituída em
enfiteuse. A enfiteuse, emprazamento ou aforamento é o contrato, verbal ou
escrito, entre o senhorio de um prédio e outrem, o enfiteuta ou foreiro, em que
este, mediante o pagamento anual do foro, toma o domínio útil do prédio e tem como
direitos, entre outros, o de o usar e fruir como coisa sua e, até, o de remir o
foro.
3. A igreja de S. Salvador foi
classificada como Imóvel de Interesse Público, pelo Decreto n.º 129/77, de 29
de Setembro, publicado no Diário da
República, I série, n.º 226, da mesma data.
4. in Orçamento ordinario da Junta de parochia da Freguesia de Cannas de
Senhorim para o Anno1887.
5. in Contas da Gerencia da Junta de Parochia de Cannas de Senhorim do anno
de 1894.
6. «...a Junta aotorizaõ (...) o
corte de dois pinheiros para aobra na cappela de S. Joaõ das Lameiras de
Valledemd.os (...) na Cumieira do lado de Valledemadeiros...». Acta da Junta da Parochia de Cannas de
Senhorim, de 22.01.1837.
7. Acta da Junta de Parochia de Cannas de Senhorim, de 24.06.1838.
8. Acta da Junta de Parochia de Cannas de Senhorim, de 29.09.1839.
9. «Quando um clérigo era
apresentado [pela Coroa],
submetia-se a concurso público, sendo o exame feito, perante três examinadores
sinodais. Conseguida a aprovação, vinha, perante o bispo, que lhe impunha o
barrete eclesiástico, após ter feito a profissão de fé. Chamava-se, então,
pároco colado. Se não tivesse havido apresentação, dizia-se pároco
encomendado.» - Pe. Aires de Amorim, in A Voz de Esmoriz, de 15.12.1984: Para a história de Esmoriz - Monografia de
Esmoriz.
Canas de Senhorim, Outubro de
2002.
António José Cardoso de
Oliveira
Sem comentários:
Enviar um comentário